NÓS E OS LIVROS




Como começa o gosto pela leitura?



Ou é inato e, nesse caso, não é preciso fazer mais nada além de agradecer a Deus, ou se incentiva, se constrói. Foi o meu caso! Quando comecei a perceber a mecânica de juntar as letras, depois as palavras para obter frases com sentido, talvez a meio da antiga primeira classe, o meu gosto pela leitura orientou-se logo para a BD. Por razões circunstanciais. Eu tinha, na altura, uns vizinhos muito simpáticos, donos de uma loja onde também se vendiam revistas. Havia muitas, coloridas, atraentes, para as crianças, pelo que eles me deixavam ler e, depois de adquirida velocidade, “devorar” todas as BD do avarento tio Patinhas, do azougado tio Donald, da vovó Donald, dos sobrinhos, Huguinho, Zezinho e Luizinho, do Pateta, da gentil Miníe, do Zé Carioca, enfim todo o manancial de BD que me encantava os fins de tarde. Não havia televisão, por isso…
Só que, perto de mim, morava uma tia sem filhos, muito atenta, que achava (e bem!) que eu, a sua sobrinha mais velha, precisava de começar a ler outro tipo de textos. E foi por isso que me arranjou uma cadeira baixinha, para eu poder estar sentadinha, muito confortável, com os pezinhos bem apoiados no chão, o livro da escola pousado no regaço, pronta para… a leitura em voz alta! Enquanto ela ia despachando as tarefas domésticas, como passar a ferro, cozinhar, lavar algumas peças de roupa e até (lembro-me também) pintar as paredes, encarrapitada numa cadeira, empoleirada na mesa, mas só depois dos pés bem forrados com pano para não riscar a dita mesa, móvel principal da sala de jantar à volta da qual se sentava a família em dias festivos. Enquanto ela despachava as tarefas domésticas, dizia eu, o meu “trabalho” era o de ler em voz alta os textos do livro de leitura da escola, uma e outra vez, melhor dizendo, tantas vezes quantas necessárias para se conseguir uma leitura com ritmo, fluente, correta e, sobretudo, com expressão, com emoção. Leituras soletradas ou monocórdicas não cabiam na sua paciência; não as podia aceitar. Quando eu acabava de ler, ficava de respiração suspensa à espera do veredito. “Está bem! Podes ir brincar!” ou “Outra vez!”. Meu Deus, quantas vezes ouvi - “Outra vez!”. E nem por isso fiquei traumatizada! Pelo contrário, ganhei gosto pela leitura de textos compactos, sem imagens, alguns até bastante densos. As imagens coloridas oferecidas de bandeja pela BD, transferiram-se para dentro da minha cabeça, que as fazia nascer dentro da imaginação, à medida que ia lendo e compreendendo o texto. Eram imagens que ilustravam a mancha gráfica a preto e branco escarrapachada nas folhas de certo modo monótonas do manual escolar, demasiado sóbrio,  avarento de cor e imagens.
E foi assim, juro, que aprendi a gostar de ler! Quanto mais exercitava, mais confiante me sentia e, sobretudo, começava a gostar de me ouvir!
Claro que a receita que resultou com uma criança pode não resultar com outra, mas, pela experiência como mãe, tia e avó que tenho vindo a acumular ao longo de… uns tantos aninhos, penso que há uma fase na infância que é semelhante para a maioria das crianças à qual os familiares próximos, muito para além dos professores, devem estar atentos e aproveitar: primeiro para lhes ler histórias ou, não querendo ler, para comentar ou apenas “contar” e, depois, mas não menos importante, arranjar paciência ( muita paciência) para as ouvir ler histórias soletradas, hesitantes no início, até à aquisição do fôlego libertador que dê vida à leitura.

Prof. Isabel Ribeiro